PORFABIO CALSAVARA
Parte integrante do lote 6 das novas concessões de rodovias, a BR-277 na região de Guarapuava é um dos pontos mais críticos da malha rodoviária no estado do
Paraná. Um bloqueio causado por queda de barreiras na região da Serra da Esperança fez com que a rodovia ficasse completamente fechada ao trânsito por cinco dias, causando um prejuízo milionário ao setor de transportes.
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O trecho faz parte do lote que vai a leilão na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) nesta quinta-feira (19). A expectativa dos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que os novos responsáveis pela manutenção da rodovia tomem medidas efetivas para minimizar os efeitos dos eventos climáticos no trânsito desta que é a principal ligação do interior do estado ao Porto de Paranaguá, principal ponto de saída dos produtos paranaenses para o mundo.
O bloqueio mais recente se soma à lista de paralisações no tráfego de veículos no local. Em 2024, o mês de abril teve outra interrupção total no trânsito após um deslizamento de pedras da encosta da Serra da Esperança. Foram 15 horas sem passagem de veículos, e mais uma semana de trânsito parcialmente liberado enquanto técnicos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) instalavam uma contenção no local.
Para prosseguirem até o Porto de Paranaguá, caminhões e veículos pesados foram orientados, nas duas oportunidades, a usarem um desvio pela rodovia estadual PR-364. O problema é que esta via não foi dimensionada para absorver o tráfego da BR-277, conforme o Departamento de Estradas de Rodagem do
Paraná (DER-PR).
No ponto de desvio, que passa pela região de Inácio Martins, há apenas duas faixas de tráfego. A pista não conta com acostamentos e há muitas subidas e curvas, por conta da topografia da região, que podem resultar em congestionamentos e lentidão com o fluxo de caminhões.
O volume de tráfego normal na PR-364, segundo o DER, é de mil veículos por dia. Com o desvio do fluxo da BR-277 no início de dezembro, o volume chegou a atingir um pico de 10.000 veículos em um único dia. Isso fez com que o departamento orientasse o uso da rodovia estadual “somente em último caso”.
A lentidão provocada pelo grande fluxo de caminhões em uma estrada não projetada resulta em prejuízos ao setor de transportes no
Paraná. Um caminhão em marcha lenta ou mesmo parado por causa de um congestionamento acaba gerando um custo adicional de R$ 3 por minuto. Dpendendo do modelo, do tipo de implemento acoplado, esse custo extra pode chegar a R$ 4 por minuto.
A conta foi feita por
João Arthur Mohr, superintendente da
Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), a pedido da Gazeta do Povo. Segundo ele, esse valor impacta toda a cadeia produtiva desde o gasto com combustível, manutenção do caminhão, custo operacional, o valor do frete até a remuneração do motorista.
De acordo com o superintendente, um caminhão que leva três horas a mais para chegar ao seu destino por atrasos devidos a um desmoronamento ou queda de barreira, por exemplo, passa a ter um custo adicional de R$ 540.
“Quantos caminhões apenas do oeste do
Paraná passam todo dia pela BR-277 chegando a Paranaguá? São cerca de 2 mil caminhões por dia. Se são 2 mil caminhões por dia, cada um tendo um aumento de R$ 500, em função dessas três horas a mais, chegamos a R$ 1 milhão de prejuízo para os embarcadores. Se formos levar em conta os caminhões que vem do norte do
Paraná, esse prejuízo diário pode dobrar”, calcula Mohr.
Outro que recorreu à matemática para explicar a importância da BR-277 para a economia do oeste do
Paraná foi o presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do
Paraná (Fetranspar), Sérgio Malucelli. Segundo ele, o trecho da Serra da Esperança é fundamental para o escoamento da produção de toda uma região distante do Porto de Paranaguá.
“É simples entender por que cada bloqueio naquele ponto trava a economia. A BR-277 é por onde passa 65% de tudo o que é produzido no oeste e no sudoeste paranaense. É um tráfego altíssimo, que fica sujeito à chuva. E isso só acontece porque o nosso estado é extremamente dependente do modal rodoviário, sem que haja qualquer previsão de mudança neste cenário”, alerta.
Ele disse esperar que com a nova concessão, o trecho volte a ser monitorado de forma constante. Na opinião do presidente da Fetranspar, o poder público não tem capacidade insuficiente no quesito infraestrutura, seja nas rodovias, ferrovias ou mesmo na administração dos portos.
“Os investimentos federais estão minguando, e por isso estamos dependendo da iniciativa privada. O orçamento da União para infraestrutura se mostra ínfimo. Então, não resta uma alternativa, são as novas concessões que terão que fazer esse trabalho de monitoramento. São mais de dois anos sem nenhum tipo de observação e nós estamos vendo as consequências”, pondera.
O superintendente da
Fiep João Arthur Mohr sugere que o monitoramento seja feito de forma ampliada e até mesmo compartilhada, se necessário, entre a nova concessionária e o próprio Dnit.
“É preciso fazer esse monitoramento mesmo que seja fora da faixa de domínio da rodovia, mesmo que tenha que ser necessário entrar em propriedades privadas, com a devida autorização dos proprietários. Além desse monitoramento, são necessárias obras que evitem que a água da chuva acabe migrando em direção à estrada ou então se infiltrando nas encostas e gerando os deslizamentos de terra”, alerta.
Quando a estrada foi construída, na década de 1970, estruturas de drenagem e direcionamento da água da chuva foram construídas no maciço da Serra da Esperança. Cerca de cinco décadas depois, sem receber a devida manutenção, os equipamentos estão degradados e praticamente sem utilidade.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o doutor em Geografia e professor da Unicentro Maurício Carago Filho explicou a necessidade de recomposição dessas estruturas. Segundo o especialista, a condição geológica do local torna a Serra da Esperança suscetível a deslizamentos.
“É uma série de fatores que há na região. Quando se une uma rocha de arenito vulnerável à erosão em uma formação com alta declividade à água, que funciona como um veículo para os sedimentos, é muito provável que ocorra um deslizamento. Por isso, na criação da rodovia foi pensada nessa solução de direcionar a água pela serra por meio dessas canaletas, que hoje praticamente se desfizeram”, comenta o especialista.
O professor, que também integra o Conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra da Esperança, alertou para o fato de que o alto volume de chuvas na região tem dois efeitos. O primeiro deles é visível: deslizamentos e quedas de barreira em consequência pela infiltração de água na encosta.
O segundo, invisível de acordo com o professor, são os impactos da chuva no leito da pista de rolamento. A erosão acumulada por baixo do asfalto pode comprometer a estrutura da via e provocar um acidente semelhante ao ocorrido na rodovia BR-376 em novembro de 2022, quando parte da pista cedeu, deixando feridos e vítimas fatais.
Como parte das obras emergenciais de reparo realizadas após o deslizamento do início de dezembro, equipes do Dnit estão fazendo uma recomposição no asfalto da BR-277 em trechos da Serra da Esperança. Com isso, o trânsito de veículos está sendo feito de forma parcial na via, sob bloqueios do tipo “pare e siga”. Não há previsão para liberação total do trecho.
“Se eu puder deixar um alerta para a nova concessionária seria este. É preciso recompor o sistema de canaletas na serra, de forma a direcionar a água da encosta para outro lado que não o da pista. Outro ponto é o monitoramento desta erosão sob o asfalto. É um problema que a gente não enxerga, mas que pode ter consequências catastróficas para quem passa por essa rodovia”, completou.
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